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Sequestro das amígdalas, inimputabilidade, legítima defesa: o que pensam advogados sobre o caso do "bombado do elevador"?

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O caso em questão é o de Igor Eduardo Pereira Cabral, que em pouco mais de 30 segundo desferiu mais de 60 socos no rosto e na cabeça de Juliana Soares  |   BNews Natal - Divulgação
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por BNews Natal

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Publicado em 09/08/2025, às 22h00



Inimputabilidade, legítima defesa, lesão corporal gravíssima, tentativa de feminicídio, substâncias psicotrópicas, embriaguez involuntária. Estes são exemplos de termos técnicos, comumente utilizados em casos criminais, penais, jurídicos. Aqui, o caso em questão é o do ex-jogador de basquete Igor Eduardo Pereira Cabral, que em pouco mais de 30 segundo desferiu mais de 60 socos no rosto e na cabeça de Juliana Soares, até então sua namorada. Uma câmera flagrou tudo. As imagens gravadas no elevador do condomínio dela, na zona sul de Natal, viralizaram e chocaram o país inteiro.

Agora que a Justiça acatou a denúncia do MP, e uma vez que Igor se tornou formalmente acusado de tentativa de feminicídio, o BNews Natal ouviu a opinião de advogados criminais. Qual deve ser a alegação da defesa do acusado? O que fazer para amenizar a situação em que ele se meteu? Qual a chance de Igor se livrar da acusação ou, pelo menos, ter uma pena atenuada? Qual a melhor estratégia? Ele tem alguma chance? Já está condenado?

Abaixo, veja o que disseram os profissionais da área, homens e mulheres que dominam a advocacia e que possuem experiência no direito penal.

"Se não fossem essas imagens, era mais um caso de agressão"

Flaviano Gama

"O problema desse caso é que as câmeras, além do dano ter sido muito grande, as fotografias e as imagens falam por si. Realmente, essas imagens do elevador deram uma proporção ao caso gigantesca. Se não fossem essas imagens, era mais um caso de agressão no meio de dezenas, centenas de tantos outros", disse Flaviano Gama, um dos advogados ouvidos pela reportagem. 

Igor Cabral, acusado de feminicídio. Foto: Reprodução
Igor Cabral, acusado de feminicídio. Foto: Reprodução

"As imagens potencializaram isso, mas o que que as imagens trazem? Trazem um cara altamente descontrolado, batendo, batendo, batendo. Ele parou só quando cansou. Mas tem um detalhe nas imagens. Aí eu vou esquecer a revolta e a indignação com o caso. Se eu fosse defender, se você observar nas imagens, no final que ele termina de socar, socar, socar, socar, ele passa um ou dois segundos parado e ele estende a mão, pega no braço dela e levanta ela. O que isso quer dizer? A tentativa de feminicídio é o grau máximo de uma acusação diante daquelas circunstâncias. Mas, se você for analisar a tentativa, o que é tentativa? É você não conseguir matar por circunstâncias alheias à sua vontade, ou seja, eu fiz de tudo para matar ela, eu só não consegui porque algo me impediu. Por isso que é tentativa", ressaltou. 

"Algo forte me impediu e fez com que eu não conseguisse o meu intento. Já nesse caso, se você observar os socos, socos, socos, socos, socos, ele realmente cansa e para. Então ele só não matou porque cansou? Não. Ele parou naquele momento, mas depois ele podia ter continuado, ter esganado ela, ter continuado de outra forma. Mas ele estendeu a mão e a levantou. E ela saiu desorientada e ele também", acrescentou.

Ainda de acordo com o advogado, para caracterizar uma tentativa de feminicídio, Igor Cabral teria que ter sido impedido de consumir o delito. "Então, a primeira linha é que não houve tentativa, houve uma lesão corporal de natureza gravíssima, mas não tentativa. Porque não tem essa circunstância que impediu dele matá-la. Não teve ninguém que chegou. Se ele quisesse ter matado, ele tinha matado. Ah, ele cansou, respirou um pouquinho, voltava lá, terminava, pisava, enforcava, esganava e terminava de matar. Nada impediu ele de fazer isso. No final, como falei, ele estende a mão e levanta ela, mostrando que não queria mais agredi-la", pontua.

Juliana Soares, vítima do "bombado do elevador". Foto: Reprodução
Juliana Soares, vítima do "bombado do elevador". Foto: Reprodução

"Tem também a questão do arrependimento, o arrependimento eficaz. Tipo, ele fez, fez, fez, fez, chegou o momento que caiu a ficha e ele se arrependeu e parou. Também tem uma circunstância que diminui a situação. Para mim, seria a principal, que é submeter ele a um exame psiquiátrico, de uso de drogas, exame de sangue, para saber se ele estava em sã consciência, saber se ele possui algum transtorno mental para poder partir para a insanidade mental", observou Flaviano. 

O advogado prossegue: "Esses são os caminhos que se tem, porque as imagens falam muito forte. Negativo de autoria, impossível? Não tem como. Então, tem que enfrentar o problema e tentar dar um outro enquadramento penal à ação. Dizer que ele tem problemas psiquiátricos, isso só pode ser atestado por um perito oficial. Não é um atestado qualquer, dado por qualquer perito. Ele tem que fazer uma perícia oficial", concluiu.

"O objetivo da defesa é afastar a tentativa de feminicídio"

Paloma Gurgel

Paloma Gurgel também é advogada. Ela cita o termo "sequestro das amígdalas", popularizado por Daniel Goleman em seu livro "Inteligência Emocional", para falar de desproporcionalidade ao estímulo real. E a advogada tem uma opinião bastante peculiar sobre o caso. 

"O que já foi rebatido por psicólogas, vejo que ele não tem muitas chances. Não cabe negativa de autoria. Então, a defesa dele seria só em relação a ser inimputável. Como o vídeo é muito explícito, a tática que a defesa do Igor pode seguir, não é negar o que está visível, mas sim contextualizar e qualificar juridicamente de forma menos gravosa. O objetivo da defesa é afastar a tentativa de feminicídio diante dos demais elementos do processo, tais como depoimentos. O da vítima vai ser um ponto chave para tentar enquadrar como lesão corporal qualificada pela violência doméstica ou lesão corporal grave — penas muito menores que a tentativa de homicídio qualificada", explica.

"Vai ter o histórico dele como atleta, o fato dela não ter ficado inconsciente e ele não ter impedido que ela recebesse os primeiros socorros. É bem amplo o campo da defesa dele nessa tese. Contudo, não creio que será tão eficaz. Vai depender do que tem no processo. Perguntei a alguns advogados aqui do escritório e a opinião é a mesma. Ele deve ter problemas mentais, pois o comportamento dele foi violento sim, mas fica evidente que ele não estava no seu normal. Porque mesmo machucado, ele desferiu muitos socos contra a vítima. Eu e os meus advogados alegaríamos o sequestro das amígdalas”, frisou. 

O termo "sequestro da amígdala" refere-se a uma resposta emocional intensa e súbita, onde a amígdala, uma estrutura cerebral responsável pelo processamento de emoções, assume o controle, levando a reações impulsivas e muitas vezes irracionais, em detrimento do pensamento lógico.

"A embriaguez involuntária pode tanto isentar como diminuir a pena"

Eduardo Costa

Eduardo Costa também é um conceituado advogado criminal, com atuação destacada na Paraíba. Segundo ele, em casos comprovados de embriaguez total ou parcial, seja por uso de medicamento ou por uso de alguma outra substância psicotrópica, o acusado pode ter a pena reduzida ou até mesmo ser isento de punição. 

"O caso Igor Eduardo Pereira Cabral, que ganhou grande notoriedade na mídia pela tentativa de feminicídio contra a sua namorada, tem provas contundentes dentro da filmagem que foi registrada. É de se observar que o Supremo Tribunal Federal, na DPF 779, numa ação de descumprimento do preceito fundamental, ele rechaça e declara inconstitucional a tese da legítima defesa da honra em caso de feminicídio. Agora, cada caso específico deve ser analisado pelo especialista", comentou. 

Ainda de acordo com o advogado, a maioria desses casos envolve, muitas vezes, a questão da embriaguez total ou parcial, seja por uso de medicamento ou seja por uso de alguma outra substância psicotrópica, que no final envolve na dosimetria da pena ou até a isenta. O artigo 28, parágrafos 1º e 2º, estabelece e exemplifica os casos em que se enquadra nesse dispositivo. Ou seja, a embriaguez involuntária, seja por medicação ou seja por outra substância psicotrópica, ela pode tanto isentar como diminuir a pena, tendo em vista o entendimento do agente ativo sobre o cometimento daquele crime".

"Tudo isso corrobora para que a defesa continue seguindo essa linha da inimputabilidade"

Jéssica Santos

"No caso de Igor existem duas linhas de raciocínio que são bem interessantes para a defesa. Uma a gente já está acostumado a ver nesses crimes mais graves onde tudo foi gravado, que é a questão da inimputabilidade, onde se afirma basicamente que ele não estava ali, em si. E que ele não tinha como responder por si por causa de um surto psicológico/psiquiátrico, como foi o que ele alegou em razão da claustrofobia. Ele não tinha, ele não sabia, ele não tinha o controle de si. Então são essas duas possibilidades: ou ele não sabia, não conseguia entender o caráter ilícito do fato, ou ele não tinha como se segurar diante daquele impulso que seria no caso um surto claustrofóbico".

As linhas de defesa acima foram destacadas pela advogada criminal Jéssica Santos, que primeiro explica melhor e questão da tese de inimputabilidade: "Eu acredito que eles (advogados de defesa) vão continuar seguindo essa linha de raciocínio porque seria mais lógica. Inclusive, quando saiu essa matéria que rodou o Brasil inteiro, nós tivemos muitas notícias de que ele já era uma pessoa agressiva, que ele já era uma pessoa impulsiva, que ele já possuía esse descontrole em determinadas situações. Então isso eu vejo como algo bom para a defesa, justamente porque não foi aquela situação isolada. Igor já vinha apresentando ali uma agressividade uma brutalidade com as outras pessoas, até mesmo pessoas do seu convívio social, que eram amigos, parentes, enfim. E tudo isso corrobora para que a defesa continue seguindo essa linha da inimputabilidade. E uma vez seguida, a gente sabe que a nossa legislação brasileira ela diz que, no caso de não conseguir se conter, ou não conseguir entender o caráter ilícito do fato, é muito provavelmente que venha aí uma sentença que a gente chama de absolutória. Mas é uma absolutória que ele não responderia pelo crime, mas que ele ficaria respondendo pela medida de segurança, uma vez que ele não seria uma pessoa sã mentalmente falando para estar e cumprir uma prisão dentro de um presídio comum. Então ele ficaria cumprindo medida de segurança, que também não é tão bacana assim como muitas pessoas pensam. Então ele não sairia ileso", ressalta a advogada. 

"Então, eu como advogada, seguiria essa linha e juntaria todas essas provas de vídeos de que as pessoas comentaram, que ele já era uma pessoa agressiva, que ele já tinha esses "surtos", porque isso aí quem decide é o próprio perito que ele vai passar por um incidente de insanidade mental. Mas, essa seria a linha mais segura, mais viável e, com certeza, praticamente a única", pontuou.

"Se nós tirarmos essa linha de raciocínio, não sobra mais nada referente a algo concreto lá na frente. Eu acreditava que nem seria, talvez, uma tentativa de feminicídio. Acredito que, pela comoção social, se tornou uma denúncia pela tentativa de feminicídio. Vi juízes comentando sobre isso nas redes sociais, que poderia ser uma lesão corporal grave ou gravíssima. No caso acredito ser gravíssima. Mas seria uma lesão corporal, justamente porque, no momento em que o elevador chega no térreo, nós não temos como saber se existem pessoas do lado de fora para impedir aquilo. Então, verifica-se que ele parou. Se ele para, podendo continuar e finalizar aqueles atos executórios, chegando efetivamente ao feminicídio, aí nós falamos sobre a questão da lesão corporal, porque ele só responderia pelos atos praticados em razão do instituto penal da existência voluntária. Então, seriam essas duas teses: ou uma desclassificação da tentativa do feminicídio ou da inimputabilidade".

Fernandes Braga

Fernandes Braga é outro renomado advogado criminal com atuação de relevância no Rio Grande do Norte. Para ele, alegar surto psicótico não é o melhor caminho. Tentar desclassificar a acusação de tentativa de feminicídio seria a melhor estratégia, uma forma de reduzir a pena.

"Eu não alegaria surto porque passa longe de ter sido um surto. É impossível. Isso é uma tese suicida. Eu tentaria uma desclassificação de rito, tirar ele do Tribunal do Júri e colocar ele no juiz tocado, alegando o quê? Que não havia a intenção do feminicídio, ainda que na forma tentada. E a desclassificação seria para lesões corporais. São graves? São graves. Mas você imagina que a pena da lesão corporal, ele ia pegar muito a menor do que ele vai pegar no Tribunal do Júri. No Tribunal do Júri ele vai ser julgado por um Conselho de Sentença, que pode ser formado por homens e por mulheres. Maioria de homens ou maioria de mulheres, dependendo do sorteio. Já disse, sorteio. É bingo. Se ele pegar um conselho com maioria masculina, ele tá lascado. Se ele pegar com a maioria feminina, ele tá no inferno".

"Uma condenação no Tribunal do Júri, ainda que na forma tentada pelo feminicídio, ele vai tomar aí uns 18 anos. Detalhe: se desclassificar para as lesões corporais, não há cumprimento imediato de pena. Se pegar menos de 8 anos, ele iria direto para o semiaberto. No feminicídio, se ele for julgado pelo Tribunal do Júri, ele vai tomar uns 15 a 18 anos. Uns 15 a 18 anos e vai iniciar direto o cumprimento de pena, porque assim entendeu o STF com referência às condenações no Tribunal do Júri", ponderou.

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Classificação Indicativa: Livre

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