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Publicado em 04/05/2025, às 12h31 Aryela Souza
A assistente social Sônia Gomes de Oliveira, de Montes Claros (MG), voltava para casa após participar de um encontro com catadores de materiais recicláveis em Januária, no Norte de Minas, quando seu telefone tocou. Era um número desconhecido e, por precaução, ela não atendeu. Minutos depois, a mesma chamada retornou, mas novamente foi ignorada. Somente ao chegar em casa, notou a mensagem deixada: “Preciso falar com você. É sobre uma atividade no Vaticano”.
Inicialmente, pensou se tratar de um trote. No entanto, logo recebeu nova ligação, desta vez de um padre ligado ao Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho (Celam). “Não há nada confirmado ainda, mas gostaria de saber se você teria disponibilidade para uma atividade de 30 dias. Estamos recebendo nomes indicados para participar do sínodo e o seu está entre eles”, informou o sacerdote.
O sínodo trata-se de uma assembleia regular que reúne lideranças religiosas, como bispos, de diversos países, convocada e presidida pelo papa, com o objetivo de discutir questões e desafios que envolvem toda a Igreja.
Presidente do Conselho Nacional do Laicato do Brasil (CNLB), vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Sônia não hesitou: aceitou o convite com entusiasmo, ainda que de forma reservada, já que a convocação era confidencial.
Dias depois, veio a confirmação oficial: Sônia havia sido escolhida. Agradeceu e se encheu de alegria: “‘Deus, o que eu fiz para participar do sínodo!’”. Para ela, participar de um sínodo era algo reservado apenas a teólogos, não a uma mulher leiga com trajetória pastoral.
A presença de mulheres e leigos com direito a voto no Sínodo foi uma decisão histórica de Francisco, tomada de forma pessoal — motu proprio. Pela primeira vez na história da Igreja Católica, a participação não seria apenas simbólica, mas decisiva. A medida, no entanto, gerou resistência entre setores conservadores do clero.
Filha de um mecânico e de uma lavadeira, Sônia nasceu em 1969, em Montes Claros. É a caçula de seis irmãos e foi batizada na Paróquia Nossa Senhora da Conceição, onde permanece atuante até hoje. Aos 17 anos, mudou-se para São Paulo com o desejo de seguir a vida religiosa. Chegou a ingressar na Congregação da Sagrada Família de Bérgamo, em Itapevi (SP), onde viveu o noviciado, mas optou por seguir como leiga. De volta a Minas Gerais, formou-se em Serviço Social e passou a atuar na paróquia local, organizando atividades pastorais, festividades religiosas e ações sociais.
Seu trabalho se destaca pela atuação junto aos mais vulneráveis — desde a pastoral carcerária até ações de educação ambiental com escolas públicas do bairro. “Aqui vivia uma dimensão missionário, acompanhando os gritos da sociedade”, resume.
Solteira, Sônia vive com a mãe, de 94 anos. Ela reconhece o simbolismo de sua trajetória:
Nunca imaginei que seria uma das mulheres indicadas para estar no sínodo, uma mulher preta, filha de lavadeira, sabe o que é ser mulher em nossa sociedade. Eu não posso sair dessa minha realidade, pois não posso dar meu testemunho sem a minha vivência pastoral”.
A representatividade feminina na base da Igreja é expressiva. Na Missão Paz, centro de acolhimento de imigrantes em São Paulo, cerca de 80% dos 115 voluntários são mulheres. Ainda assim, a ascensão feminina a postos de liderança na Igreja enfrenta resistências.
Sônia participou das duas etapas do Sínodo, realizadas em 2023 e 2024. Em Roma, compartilhou as vozes de comunidades marginalizadas do Brasil, como presidiários e mulheres vítimas de violência. “‘Se o Papa Francisco está perguntando, então eu vou falar’”, eles diziam.
Durante sua estada no Vaticano, dividiu alojamento com representantes de países como Haiti, Ucrânia, França, Venezuela e República Tcheca. As reuniões aconteceram na Sala Paulo VI, símbolo dos grandes encontros da Igreja.
Para Sônia, a recente nomeação da irmã italiana Simona Brambilla como prefeita de um dos dicastérios do Vaticano representa um avanço simbólico.
Francisco já foi ousado. Estamos lidando com uma Igreja machista e clericalizada, então, não dá pra pensar que essa mudança será da noite para o dia.”
Enquanto o mundo aguarda a escolha do novo papa, Sônia acompanha o processo com atenção e cautela. “Temo que haja um retrocesso. As pessoas querem se sentir parte da Igreja.”
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