Geral
Crianças e adolescentes que vivem sob o domínio de milícias ou do tráfico na Região Metropolitana do Rio de Janeiro estão aprendendo menos e abandonando mais a escola. É o que revela o estudo “Educação Sob Cerco”, lançado por UNICEF, Instituto Fogo Cruzado, GENI/UFF e CERES/IESP.
A pesquisa mostra que estudantes dessas áreas têm desempenho até 10 pontos inferior no SAEB em comparação com colegas de regiões não dominadas, o que equivale a uma defasagem de aproximadamente seis meses de aprendizado.
O levantamento analisou o desempenho em Língua Portuguesa e Matemática nos 5º e 9º anos do ensino fundamental e constatou um percentual alarmante de estudantes classificados como “abaixo do básico”, chegando a 38,7% em determinadas áreas sob controle armado. Já em regiões não dominadas, esse índice é de apenas 19%.
O impacto vai além das notas. Em 2022, o abandono escolar no 3º ano do ensino médio foi 7,2% em escolas localizadas em áreas sem domínio de facções, enquanto nas dominadas os índices chegaram a 9,6%.
Na capital, onde o tráfico predomina, o abandono atingiu 12,5%. O estudo destaca que episódios de violência armada, especialmente confrontos com presença policial, elevam ainda mais as taxas de evasão.
Conflitos próximos às escolas agravam crise educacional
Locais com três ou mais confrontos armados ao longo do ano apresentaram taxa de abandono superior a 10%. A média de evasão em escolas que não registraram confrontos foi de 7,7%. Em 2022, foram 4.400 tiroteios próximos a escolas no Grande Rio, afetando 46% das unidades de ensino. Uma escola em São Gonçalo liderou o ranking com 18 registros, o equivalente a um confronto a cada duas semanas.
A violência armada funciona como uma desvantagem cumulativa, que corrói os esforços familiares e os recursos educacionais. “Mais que risco imediato, a violência crônica destrói o futuro dos estudantes”, afirma Flavia Antunes Michaud, chefe do escritório do UNICEF no Rio.
Para Maria Isabel Couto, diretora de Dados do Instituto Fogo Cruzado, o impacto das ações policiais é especialmente danoso. “A presença das forças de segurança, quando mal planejada, afasta os estudantes das salas de aula. Políticas públicas devem proteger direitos, não ameaçá-los.”
Recomendações exigem atuação conjunta e intersetorial
O estudo recomenda enfrentar o controle territorial armado, assegurar trajetos escolares seguros e incluir a violência armada nas políticas públicas de educação, saúde e assistência social.
Propõe ainda criar mecanismos de governança integrados, desenvolver indicadores que cruzem dados de segurança e educação, garantir os 200 dias letivos e rever o tratamento da mídia sobre o tema.
Daniel Hirata, coordenador do GENI/UFF, aponta que o estudo permite objetivar um problema antes conhecido apenas de forma empírica. “As crianças em áreas dominadas aprendem metade do esperado no ano letivo. Precisamos de alternativas de segurança pública que protejam a educação.”
Sobre os autores e organizações envolvidas
O relatório faz parte da série Educação Sob Cerco, iniciada em maio de 2025, que investiga os efeitos da violência armada na educação pública do Grande Rio. A pesquisa foi desenvolvida pelo UNICEF, Instituto Fogo Cruzado, GENI/UFF e CERES/IESP, com base em dados do SAEB, IDEB e registros de confrontos armados.
Organizações como o Fogo Cruzado, que mantém o único banco de dados abertos sobre tiroteios da América Latina, e o GENI/UFF, que estuda ilegalismos e conflitos sociais, somaram esforços ao UNICEF, que há 75 anos atua pela garantia dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil.
Classificação Indicativa: Livre