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Publicado em 04/06/2025, às 14h58 Redação
Um pacote de mudanças no Código Civil brasileiro, atualmente em tramitação no Senado, promete transformar profundamente as relações conjugais no país. O texto altera regras sobre casamento, separação, regime de bens e direito à herança — e já causa polêmica entre especialistas em Direito de Família.
Entre as mudanças mais debatidas está a legalização expressa do casamento entre pessoas do mesmo sexo, já reconhecido pelo STF desde 2011, mas que agora pode ser incorporado ao Código de forma definitiva. A proposta também acaba com o estado civil de “solteiro” para quem vive em união estável, que passará a ser classificado como “convivente”.
A ideia, segundo o anteprojeto, é equiparar união estável e casamento nos direitos e deveres dos parceiros, incluindo partilha de bens, cuidados com os filhos e até guarda de animais de estimação.
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Separação unilateral em cartório
Outro ponto central da reforma é o divórcio unilateral extrajudicial, que poderá ser feito diretamente no cartório, sem o consentimento do outro cônjuge, desde que haja a devida assistência jurídica. Em casos em que o parceiro está em local desconhecido, será permitida notificação por edital.
A mudança é vista com ressalvas. Para a professora Rose Meireles, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), trata-se de uma “desburocratização de um direito”, embora possa causar problemas quando o ex-cônjuge não é informado do fim legal do casamento.
“A outra parte não pode impedir o divórcio, mas alterar o estado civil sem ciência do outro pode gerar conflitos. Ainda assim, é uma medida que considero positiva, se usada em situações excepcionais”, afirma.
Quando não houver acordo sobre divisão de bens, o casal ainda terá que recorrer à Justiça. A advogada Silvia Marzagão, presidente da Comissão de Família e Sucessões da OAB-SP, alerta para brechas na proposta.
“Não está claro como será feita a notificação e em qual prazo. Alguém pode se divorciar, casar de novo sob comunhão universal de bens, sem ter feito a partilha com o ex. Isso pode gerar disputas mais complexas no futuro”, explica.
Divórcio com filhos também poderá ser extrajudicial
A proposta também prevê que casais com filhos menores de 18 anos possam definir, em cartório, guarda, pensão alimentícia e visitas, desde que haja consenso. A medida representaria um grande alívio para o Judiciário, segundo Rose Meireles.
“O cartório apenas encaminharia o termo para o Ministério Público, que atuaria como fiscal. Com isso, o Judiciário atuaria apenas nos casos sem acordo”.
Além disso, casais poderão mudar o regime de bens via escritura pública, sem precisar de autorização judicial, e utilizar “cláusulas sunset”, que permitem alterar automaticamente o regime após determinado tempo. Por exemplo, manter a separação total de bens por dois anos e, depois, adotar a comunhão parcial.
A reforma ainda elimina a obrigatoriedade de separação de bens para pessoas com mais de 70 anos, alinhando o texto à jurisprudência do STF.
Novo conceito de família e obrigações entre parentes
O projeto também propõe o reconhecimento legal da chamada “família parental” — composta por parentes que vivem juntos, como irmãos, tios, avós e primos —, atribuindo a eles deveres recíprocos, inclusive em decisões médicas, patrimoniais e até pensões.
Quanto às despesas após o fim da relação, o texto estabelece que ex-cônjuges devem compartilhar gastos com filhos, dependentes e até animais de estimação. No entanto, a falta de clareza sobre quem são os “dependentes” preocupa especialistas.
“A proposta não define se são dependentes legais, previdenciários ou apenas pessoas que dependem financeiramente do casal. Isso pode abrir brechas para incluir sogras, sobrinhos, primos...”, alerta Marzagão.
Polêmica sobre herança
Outra mudança relevante é a retirada do cônjuge do rol de herdeiros necessários, que atualmente inclui filhos, netos, pais, avós, marido e esposa. Pela nova regra, o cônjuge só herdaria bens se não houver ascendentes ou descendentes vivos.
Para Rose Meireles, o ideal seria que o cônjuge continuasse como herdeiro necessário, com possibilidade de renúncia via pacto antenupcial.
“Essa alteração afeta principalmente as mulheres, que muitas vezes são a parte mais vulnerável economicamente no casamento”, alerta a professora.
A proposta garante, porém, o direito de moradia ao cônjuge ou familiar que residia no único imóvel do falecido, desde que comprove vínculo de convivência. O termo “remanescentes da família parental”, no entanto, é considerado vago pelo desembargador Maia Júnior:
“O que significa convívio comum? Morar na mesma casa? O texto é muito aberto, o que pode gerar disputas judiciais em sucessões, justamente o que se pretende evitar”.
Classificação Indicativa: Livre