Polícia
Publicado em 29/06/2025, às 19h28 Instituições de ensino enfrentam escassez de pessoal e optam por multas ao invés de demissões, perpetuando o problema do assédio - Reprodução Gabi Fernandes
Em ao menos nove casos nos últimos dez anos, universidades e institutos federais de ensino deixaram de afastar temporariamente professores e servidores acusados de assédio sexual, convertendo punições em multas salariais. A decisão foi justificada por “conveniência ao serviço público”, diante da escassez de pessoal nas instituições.
O levantamento foi feito pela coluna do jornalista Tácio Lorran, do Metrópoles, com base em Processos Administrativos Disciplinares (PADs) obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI). Os casos analisados mostram que estudantes, professoras e funcionárias relataram constrangimentos, abordagens sexuais, agressões e até estupros dentro de campi em diferentes regiões do Brasil.
A conversão da suspensão em multa é permitida pela Lei 8.112/1990, que rege os servidores públicos federais. Pela regra, a penalidade pode ser alterada “quando houver conveniência para o serviço”, com desconto de 50% no salário proporcional aos dias de suspensão. Apesar disso, os acusados continuam frequentando o ambiente acadêmico, muitas vezes dividindo o mesmo espaço com suas vítimas.
Casos emblemáticos
Um dos exemplos é o do professor Luciano José Gonçalves Moreira, do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), campus Ouro Preto. Ele foi acusado de assédio sexual por nove alunas. Entre os relatos, uma estudante disse ter ouvido: “Queria você na minha estante”; a outra relatou que ele afirmou ter sonhado com ela e temia que ela não entendesse o conteúdo do sonho.
Mesmo com o volume de denúncias, a instituição — com apoio da Advocacia-Geral da União (AGU) — considerou que a demissão seria “severa demais” e aplicou 90 dias de suspensão, dos quais 45 foram convertidos em multa. A decisão foi publicada em novembro de 2021.
Outro caso ocorreu no Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), onde o professor de física Marco André de Almeida Pacheco foi acusado de assediar uma adolescente de 14 anos, no campus de Volta Redonda. Segundo o relato da vítima, ele a abordou dizendo: “Oi, gata. Quando vou pegar você?”, e a abraçou por trás, tocando sua cintura. O professor recebeu 11 dias de suspensão, convertidos integralmente em multa.
Como funciona o processo
As punições aplicadas após os PADs incluem advertência, suspensão, demissão ou cassação da aposentadoria. A dosimetria das penas é definida com base em uma análise da gravidade da infração, danos causados e antecedentes do servidor. A CGU disponibiliza uma ferramenta chamada “Calculadora de Penalidade Administrativa e Viabilidade de TAC”, usada para orientar as comissões disciplinares.
A decisão final sobre a punição cabe à reitoria da instituição, com base em dois pareceres: o relatório da comissão processante e o parecer jurídico da Procuradoria-Geral Federal (órgão vinculado à AGU).
Outros casos com suspensão convertida em multa:
Os casos evidenciam a dificuldade das instituições públicas de ensino em aplicar punições efetivas a servidores acusados de assédio sexual, especialmente quando enfrentam déficits de pessoal. Enquanto isso, vítimas seguem vulneráveis no ambiente acadêmico.