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UFRN desenvolve dispositivo contra enxaqueca, zumbido no ouvido, disfunção cardíaca, epilepsia e diabetes

Jason manuseia protótipo em paciente - Cícero Oliveira – Agecom/UFRN
Dispositivo criado recebeu o nome de “Eletroestimulador Auricular do Nervo Vago com Sensor de Frequência Cardíaca Incorporado"  |   BNews Natal - Divulgação Jason manuseia protótipo em paciente - Cícero Oliveira – Agecom/UFRN
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por BNews Natal

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Publicado em 29/09/2025, às 15h31



Cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e do Instituto Santos Dumont (ISD) desenvolveram um novo equipamento que promete resultados como terapia complementar e não medicamentosa no tratamento de enxaquecas, zumbidos no ouvido, disfunção autonômica cardíaca, epilepsia resistente a medicamentos e diabetes.

A invenção recebeu o nome de “Eletroestimulador Auricular do Nervo Vago com Sensor de Frequência Cardíaca Incorporado” e funciona acoplado ao ouvido, como se fosse um aparelho auditivo. Contudo, ao invés de um amplificador que aumenta a intensidade do som, o dispositivo criado atua por um sistema de estimulação elétrica não invasiva do nervo vago, associado a um sensor de batimentos cardíacos como mecanismo de segurança.

O nervo vago é também chamado de décimo par de nervos cranianos e desempenha um papel crucial no sistema nervoso autônomo, sobretudo nas funções parassimpáticas, atuando principalmente na recuperação da frequência cardíaca após esforço físico e durante o estado de repouso. O nervo vago também é responsável pelo reflexo anti-inflamatório; assim, o dispositivo pode ser utilizado no tratamento de doenças que provocam imunossupressão e inflamação.

Equipamento é sempre utilizado em associação

“O sistema funciona de maneira semelhante a um disjuntor, protegendo o sistema contra variações extremas. O tipo de estímulo gerado é pensado para ser um tratamento complementar, pois, aplicado isoladamente, não produz o efeito desejado. O equipamento é sempre utilizado em associação. Primeiro, a medicação; depois, o equipamento entra como um tratamento secundário”, explica Jason Azevedo de Medeiros, idealizador da proposta e responsável por “trazer” o embasamento científico e fisiológico que deu origem à invenção.

O inventor salienta que, diferentemente dos dispositivos convencionais de eletroestimulação, que operam de maneira isolada e sem ajustes automáticos baseados na resposta fisiológica, esta invenção integra um sensor de eletrocardiograma diretamente ao sistema de estimulação, permitindo uma abordagem personalizada e mais eficiente no controle autonômico cardíaco. “O diferencial da tecnologia proposta está na adaptação inteligente dos estímulos elétricos, viabilizada pelo monitoramento contínuo da frequência cardíaca”, realça Jason de Medeiros.

Ele identifica que essa funcionalidade é que possibilita a otimização do efeito terapêutico, ajustando automaticamente a intensidade da estimulação conforme a necessidade do usuário. Além disso, o design do produto é ergonômico e ajustável, o que garante conforto, estabilidade e fácil adaptação a diferentes morfologias auriculares. “Outro avanço significativo é a portabilidade aprimorada, com uma estrutura dobrável que facilita o transporte sem comprometer a durabilidade do equipamento”, descreve.

Dispositivo estabelece uma linha de base ou referência para a frequência cardíaca

Em relação ao dispositivo associado ao eletroestimulador, ele é posicionado próximo ao coração para monitorar seus batimentos. Este dispositivo estabelece uma linha de base ou referência para a frequência cardíaca. Em geral, a frequência cardíaca em repouso de uma pessoa normal varia em torno de 60 batimentos por minuto, enquanto atletas podem apresentar valores inferiores a 50 batimentos por minuto.

“Ao estimular o nervo vago, a intensidade e o tipo de corrente, se contínua ou alternada, afetam a resposta. O sistema integrado ao dispositivo monitora a frequência cardíaca e, se esta exceder o valor estabelecido na linha de base, a estimulação é interrompida. Da mesma forma, se a frequência cardíaca diminuir abaixo de um determinado limiar, por exemplo, de 50 batimentos por minuto, a estimulação também é desativada e retomada quando a frequência cardíaca retorna ao intervalo definido”, frisa José Carlos Gomes da Silva.

Ele acrescenta que os estimuladores encontrados no mercado apenas realizam o estímulo sem nenhum parâmetro de segurança para o paciente, dando-lhe acesso direto ao estimulador. Esse aspecto é relevante, pois o nervo vago ‘influencia’ órgãos importantes, como coração, pulmão, baço e o trato digestório.

Material requer baixa manutenção e apresenta baixo custo

Em virtude disso, alguns cuidados precisam ser tomados, pois é comum, por exemplo, que a estimulação possa gerar bradicardia, uma queda nos batimentos cardíacos. Desta forma, é recomendado que os pacientes submetidos a este tipo de intervenção sejam monitorados e, caso uma queda total de 35 batimentos por minuto ocorra, a intervenção seja imediatamente finalizada. Por este motivo, o dispositivo criado tem acoplado um sistema de segurança baseado em um marcador biológico.

Aluno de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da UFRN, ele circunstancia que o grupo desenvolveu um protótipo inicial, especialmente da parte do fone. Esse foi impresso em 3D para avaliação sobre o melhor encaixe anatômico na região do ouvido. O processo passou por diversas tentativas até os pesquisadores alcançarem um formato considerado funcional e mais adequado. Desta maneira, chegaram à confecção de dispositivo auricular feito em material leve, com formato anatômico adequado para encaixe e posicionamento para diferentes partes do ouvido, bem como pensado para diferentes tamanhos de ouvidos, o que atende ao formato anatômico de boa parte da população.

Embora estes aspectos, os cientistas envolvidos indicam que o material requer baixa manutenção e apresenta baixo custo, sendo assim, com uma aplicabilidade possível a qualquer área clínica, em um tratamento possível de ser feito na própria residência do paciente.

Conseguimos alcançar uma solução confortável, com um sistema de fixação seguro que permite o uso prolongado, sem desconforto ou deslocamento dos eletrodos”, lista Amon Gonçalves de Melo Neto, inventor que contribuiu no design gráfico e de software.

Além dos três, são autores do pedido de patente depositado em julho, para proteger a invenção, Rafaela Catherine da Silva Cunha de Medeiros, Paulo Moreira Silva Dantas, Jamilson de Medeiros Pereira Junior, Luiz Guilherme Oliveira Araújo, Leonardo Dantas Rebouças da Silva, Elcio Leão Martins, André Felipe Oliveira de Azevedo Dantas e Edgard Morya.

Eles caracterizam que o dispositivo combina um sistema ajustável de fixação, eletrodos condutores, um módulo eletrônico de estimulação e um sensor de eletrocardiograma (ECG), combinação que permite a aplicação precisa da estimulação e o monitoramento em tempo real da resposta fisiológica do usuário. Os mecanismos responsáveis pela estimulação são posicionados estrategicamente para fazer contato com áreas específicas da orelha associadas à inervação do nervo vago. Estes eletrodos são conectados ao sistema por meio de fios condutores, garantindo a transmissão eficiente dos pulsos elétricos gerados pelo eletroestimulador.

O posicionamento dos eletrodos pode ser ajustado pelo paciente por meio de um parafuso de ajuste, que é capaz de mudar a inclinação e a pressão sobre a pele do equipamento, assegurando contato ideal e minimizando desconforto. O dispositivo pode ser utilizado em sessões programadas, com duração e intensidade ajustáveis, e pode ser facilmente transportado graças à sua estrutura dobrável e leve.

Tratamento de pessoas com HIV

O pedido de patente é vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da UFRN e surgiu a partir das pesquisas realizadas por Jason Medeiros durante o doutorado. Ele relata que o estudo envolveu a estimulação auricular do nervo vago em pessoas vivendo com HIV e que, ao longo do processo, diversos desafios surgiram. “Um dos principais foi a dificuldade de acesso a dispositivos acessíveis e seguros, com controle adequado dos parâmetros de estimulação. A partir dessa necessidade, surgiu a motivação para desenvolver um dispositivo de baixo custo, com funcionalidades específicas voltadas à pesquisa e à aplicação clínica”, coloca o doutorando.

A ‘gestação’ da invenção ocorreu no âmbito do grupo de pesquisa Atividade Física e Saúde (Afisa), formado pela aliança entre graduandos em Educação Física, Fisioterapia e Nutrição, além de mestres e doutores em Educação Física e em Ciências da Saúde, com a coordenação do professor Paulo Dantas.

Docente do Departamento de Educação Física, ele salienta que o grupo tem trabalhado no desenvolvimento de outras invenções em áreas diversas, o que demonstra a nossa vocação para a inovação, apesar dessas invenções não estarem diretamente relacionadas a esta patente específica. Ainda assim, o pesquisador acentua que a experiência adquirida no desenvolvimento desta invenção contribui para a maturidade e a capacidade técnica do grupo em novos projetos.

“O processo de patenteamento tem uma relevância acadêmica significativa, pois representa a transformação do conhecimento científico em inovação concreta, com potencial de impacto direto na sociedade. Ele evidencia que a pesquisa desenvolvida dentro da universidade não está restrita ao meio acadêmico, mas também pode gerar soluções práticas, tecnológicas e economicamente viáveis. Além disso, o patenteamento valoriza a produção intelectual dos pesquisadores, fortalece os indicadores de inovação da instituição e estimula a cultura do empreendedorismo acadêmico. No nosso caso específico, o pedido de patente reforça o compromisso da UFRN com a pesquisa aplicada e com a transferência de tecnologia para além dos muros da universidade”, defende Paulo Dantas.

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Classificação Indicativa: Livre

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