Cidades
A Universidade Federal de Pernambuco suspendeu o edital que criava uma turma de Medicina exclusiva para candidatos de assentamentos da reforma agrária e comunidades quilombolas, após decisão liminar de um juiz federal que considerou a medida ilegal.
O juiz argumentou que a autonomia universitária não permite a criação de processos seletivos restritos, a menos que previsto em lei, e a ação popular foi movida por um vereador que alegou violação dos princípios constitucionais da igualdade e moralidade administrativa.
A UFPE anunciou que recorrerá da decisão judicial, que suspende o edital até o julgamento final, enquanto a proposta gerou divisões entre parlamentares e entidades médicas, com críticas à exclusividade do processo seletivo para o curso de Medicina.
A Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) teve suspenso o edital nº 31/2025, que criava uma turma de Medicina no Centro Acadêmico do Agreste (CAA), em Caruaru, destinada exclusivamente a candidatos de assentamentos da reforma agrária e comunidades quilombolas.
A decisão liminar foi proferida pelo juiz federal Ubiratan de Couto Maurício, da 9ª Vara Federal de Pernambuco, em resposta a uma ação popular ajuizada pelo vereador recifense Tadeu Calheiros (MDB).
Segundo o magistrado, a instituição ultrapassou os limites legais da autonomia universitária ao estabelecer um processo seletivo totalmente reservado a um público específico. Ele reforçou que exceções à ampla concorrência só podem ocorrer nas hipóteses previstas em lei.
O acesso aos cursos de graduação, fora da ampla concorrência, é restrito às situações taxativamente previstas em lei. Ampliar esse rol significa agir à margem da legalidade”, registrou o juiz na decisão.
Argumentos da ação
Na ação, Tadeu Calheiros afirmou que o edital afrontava os princípios constitucionais da igualdade, da impessoalidade e da moralidade administrativa.
Embora tenha defendido a importância das políticas afirmativas, o parlamentar criticou a forma como a seleção foi concebida.
“Não se trata de rejeitar ações afirmativas, mas de exigir que sejam implementadas com equilíbrio, transparência e rigor. O edital não respeitava a isonomia entre os candidatos”, declarou.
Como funcionaria a seleção
O edital, publicado em 10 de setembro, previa 80 vagas para o curso de Medicina do CAA, todas destinadas a beneficiários do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), política pública criada em 1998 que oferece cursos em áreas como pedagogia, agronomia, direito e medicina veterinária. Pela primeira vez, o programa incluía a formação em Medicina.
Poderiam concorrer assentados e acampados cadastrados pelo Incra, quilombolas, educadores do campo, egressos de cursos do Pronera e participantes do Programa Nacional de Crédito Fundiário.
Repercussões entre entidades e parlamentares
A iniciativa gerou forte divisão de opiniões. Instituições médicas, como o Conselho Regional de Medicina de Pernambuco (Cremepe), o Sindicato dos Médicos, a Associação Médica de Pernambuco e a Academia Pernambucana de Medicina, divulgaram nota de repúdio.
Para as entidades, a seleção exclusiva desrespeitava os critérios nacionais de acesso ao ensino superior, como o Enem e o Sisu, além de abrir um precedente perigoso para a educação médica.
Na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), a proposta também dividiu os deputados. A oposição classificou o edital como inconstitucional e anunciou que buscaria a via judicial para impedir sua aplicação. Já parlamentares aliados ao governo federal defenderam a medida como uma ação afirmativa necessária.
O deputado João Paulo (PT) foi um dos que se posicionaram a favor: “O racismo de classe ainda persiste em parte da sociedade brasileira e se revela quando o pobre, o negro, o camponês ou o indígena passam a ocupar espaços que antes eram exclusivos das elites”, afirmou.
A deputada Dani Portela (PSOL) destacou que críticas ao Pronera só surgiram quando a proposta envolveu o curso de Medicina:
“Enquanto eram licenciaturas e cursos técnicos, ninguém questionava. A reação só veio agora, justamente por se tratar de Medicina”, disse.
Próximos passos
A decisão da Justiça Federal suspende os efeitos do edital até o julgamento final da ação popular. Em nota, a UFPE informou que recorrerá da decisão em todas as instâncias.
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