Política
Publicado em 12/05/2025, às 08h08 Foto: Divulgação/ Assembleia legislativa do RN. Redação
Mesmo com orçamentos estaduais muitas vezes fragilizados, deputados estaduais vêm recebendo remunerações mensais acima do teto constitucional em ao menos 17 unidades da federação. Esse levantamento, feito pelo GLOBO, é baseado em contracheques nos portais de transparência entre janeiro e março deste ano. Embora o limite legal seja de R$ 34,7 mil — correspondente a 75% do salário de um deputado federal —, os pagamentos mensais efetivos frequentemente superam esse valor.
De acordo com os dados levantados e analisados, a remuneração bruta média dos parlamentares estaduais foi de R$ 46,5 mil nos primeiros três meses do ano. Em nove estados, o valor ultrapassa os R$ 50 mil. No Rio Grande do Norte, os ganhos médios são ainda mais expressivos, e com as chamadas “vantagens pessoais” , alguns contracheques chegaram a R$ 66 mil. A origem detalhada desses valores, no entanto, não é especificada. Procurada, a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte não respondeu.
A falta de transparência sobre os pagamentos se repete em outras unidades federativas. Em Rondônia, os contracheques indicam auxílios não discriminados que somam R$ 33 mil, além do salário-base.
Essas remunerações são compostas por uma parcela fixa — o salário-base, que varia entre R$ 25 mil e R$ 34 mil, dependendo do estado — e por uma série de adicionais classificados como verbas indenizatórias. Os mais comuns são auxílio-saúde, auxílio-alimentação com valores acima da média de mercado e gratificações por função, que variam de R$ 6 mil a R$ 17 mil. Em Pernambuco, o vale-refeição mensal dos deputados é de R$ 3,4 mil.
Além desses benefícios recorrentes, a maioria das Assembleias concede o chamado “auxílio-paletó” — pago no início e no final do mandato — como compensação pelos custos relacionados ao deslocamento dos parlamentares. O valor equivale a um salário mensal e pode ser acumulado no caso de reeleição.
Apesar de extrapolarem o teto constitucional, esses pagamentos encontram respaldo jurídico. O Supremo Tribunal Federal (STF) e tribunais de contas entendem que o limite de R$ 34,7 mil se aplica apenas às parcelas de caráter remuneratório.
“O teto constitucional abrange a integralidade das parcelas remuneratórias percebidas pelo servidor público. A única exceção se dá em relação às ‘parcelas de caráter indenizatório previstas em lei’, nos termos do parágrafo 11 do artigo 37 da Constituição Federal”, argumentou o ministro André Mendonça, em decisão recente.
Como não são considerados salários, esses valores adicionais não sofrem incidência de imposto de renda, tampouco de contribuição previdenciária.
A jurisprudência, no entanto, não é unânime. Em 2013, o Tribunal de Justiça de São Paulo considerou inconstitucional o pagamento de auxílio-moradia a deputados estaduais, ao entender que a remuneração parlamentar deve seguir o modelo de subsídio — ou seja, parcela única, sem acréscimos por adicionais, auxílios ou gratificações. Na decisão, o desembargador Luiz Sérgio Fernandes de Souza afirmou que a prática fere o princípio da moralidade pública.
Entre especialistas em Direito Público e Administração Pública, o tema é objeto de controvérsias. Para muitos, a interpretação dominante abre brechas que enfraquecem o teto remuneratório.
Na prática, são criados os chamados supersalários, com gratificações que, teriam natureza indenizatória, segundo os beneficiários. Inventam funções especiais, comissões extras para contornar o teto constitucional — avalia Edgard Monteiro, mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UERJ).
Procuradas pelo GLOBO, as assembleias afirmaram que os pagamentos estão dentro da legalidade determinada pela Constituição. Em nota, a Câmara Legislativa do Distrito Federal afirmou que “os auxílios têm caráter indenizatório, não integrando o subsídio mensal dos parlamentares, nem sendo contabilizados dentro do teto remuneratório dos servidores públicos”. Posicionamentos semelhantes foram enviados pelos legislativos de Pernambuco, do Espírito Santo e de Tocantins.
Não há, nas Assembleias, propostas de contenção dos chamados “penduricalhos”. Pelo contrário: projetos que criam novos auxílios tramitam com celeridade e, frequentemente, são aprovados de forma unânime.
Nesse cenário, ao menos oito estados discutem ou já aprovaram, recentemente, novas medidas que ampliam os benefícios pagos aos parlamentares. Na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), por exemplo, tramita proposta de criação de um vale-alimentação no valor de R$ 2,9 mil por mês.
Em Minas Gerais, a Assembleia Legislativa aprovou no ano passado um reajuste de 78% no teto do auxílio-moradia, elevando o valor para R$ 8,6 mil em 2025. Já em Goiás e no Mato Grosso, foram aprovadas em dezembro gratificações extras por "representação". Em Goiás, o benefício equivale a um terço do salário (R$ 11,5 mil), enquanto no Mato Grosso chega a 50% (R$ 17,3 mil). Essas verbas são destinadas a membros da mesa diretora, presidentes de comissões e líderes de bancada — cargos que são ocupados pela maioria dos parlamentares da Casa.
Em um país com tantas desigualdades, vemos supersalários em todo o funcionalismo público. Isso ocorre porque se permite que esses benefícios escapem do controle do teto constitucional— afirma o jurista Rafael Paiva.
Paiva aponta que os estados já passam por dificuldades fiscais. Minas Gerais, por exemplo, acumula uma dívida de R$ 165 bilhões com a União, e Goiás, de R$ 17 bilhões. Mesmo assim, os parlamentares continuam acumulando os chamados “penduricalhos”.